terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sete Sermões aos Mortos - Parte III




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O QUARTO SERMÃO


Resmungando, os mortos encheram a sala e disseram: - Tus que és maldito, fala-nos sobre deuses e demônios!

-Deus-Sol é o bem supremo, o demônio é o oposto; portanto, tendes dois deuses. Há, contudo, inúmeros grandes bens e numerosos grandes males; entre eles existem dois deuses-demônios, um dos quais é o FLAMEJANTE e o outro, o FLORESCENTE. O flamejante é EROS em sua forma de chama. Ele brilha e devora. O florescente é a ÁRVORE DA VIDA; ela cresce verdejante e acumula matéria viva enquanto cresce. Eros flameja e então se apaga; a árvore da vida, no entanto, desenvolve-se lentamente através de incontáveis eras.

Bem e mal estão unidos na chama.
Bem e mal estão unidos no crescimento da árvore.
Vida e amor opõem-se mutualmente em sua divindade.

Imensurável como os agrupamentos de estrelas é o número de deuses e demônios. Cada estrela representa um deus e cada espaço ocupado por uma estrela, um demônio. E o vazio do todo é o Pleroma. A atividade do todo é Abraxas; só o irreal opõe-se a ele. O quatro constitui o número das divindades principais, porque quatro é o número das dimensões do mundo. O Um é o princípio; Deus-Sol. O Dois é Eros, porque ele se expande com uma luz brilhante e combina duas. O Três é a Árvore da Vida, porque ela preenche o espaço com corpos. O quatro é o demônio, porque ele abre tudo o que está fechado; ele dissolve tudo o que tem forma e corpo; ele é o destruidor, no qual todas as coisas dão em nada.


Abençoado sou, porque me é dado conhecer a multiplicidade e a diversidade dos deuses. Lastimo-vos, porque substituístes a unidade de Deus pela diversidade que não se pode converter em unidade. Por meio disso, criastes o tormento da incompreensão e a mutilação do mundo criado, cuja essência e lei é a diversidade. Como podeis ser leais à vossa naturreza quando tentais fazer um dos muitos? O que fazeis aos deuses, também vos sobrevém. Todos vós se tornam, assim, iguais e, por isso, vossa natureza também, fica mutilada.

Em benefício do homem pode reinar a unidade, mas nunca em benefício de deus, pois existem muitos deuses, porém poucos homens. Os deuses são poderosos e suportam sua diversidade, visto que, como as estrelas, eles permanecem em solidão e separados por vastas distâncias uns dos outros. Os seres humanos são fracos e não conseguem suportar sua diversidade, por viverem próximos uns dos outros e desejarem companhia; assim sendo, não podem suportar os próprios e distintos isolamentos. Em prol da salvação, eu vos ensino aquilo que se deve eliminar, em favor do que eu próprio fui banido.

A multiplicidade dos deuses iguala a multiplicidade dos homens. Incontáveis deuses aguardam para tornarem-se homens. Inúmeros já o foram. O homem é um partícipe da essência dos deuses; ele vem dos deuses e vai para Deus.

Do mesmo modo que é inútil pensar sobre o Pleroma, é inútil adorar essa pluralidade de deuses. Menos útil ainda é adorar o primeiro Deus, a efetiva plenitude e o bem supremo. Através de nossas preces, não podemos nem acrescentar-lhe algo nem subtrair-lhe, porque o efetivo vazio tudo absorve. Os deuses de luz compõem o mundo celestial, que é múltiplo e estende-se até o infinito, expandindo-se ilimitadamente. Seu senhor supremo é o Deus-Sol.

Os deuses das trevas constituem o inferno. Eles não são complexos e têm a capacidade de diminuir e encolher infinitamente. Seu senhor mais profundo é o demônio, o espírito da lua, o servo da terra, que é menor, mais frio e mais inerte do que a terra.

Não há diferença no poder dos deuses celestiais e terrestres. Os celestiais expandem-se, os terrestres contraem-se. As duas direções estendem-se ao infinito.



O QUINTO SERMÃO

Os mortos cheios de escárnio, gritaram: - Ensina-nos, ó tolo, sobre a Igreja e santa comunidade!

- O mundo dos deuses manifesta-se na espiritualidade e na sexualidade. Os deuses celestiais expressem-se na espiritualidade e os terrenos, na sexualidade.

A espiritualidade recebe e compreende. Ela é feminina, por isso nós a chamamos de MATER COELESTIS, a mãe celestial. A sexualidade gera e cria. Ela é masculina, portanto nós a chamamos de PHALLOS, o pai telúrico. A sexualidade do homem é mais terrena enquanto a sexualidade da mulher, mais celestial. A espiritualidade do homem é celestial, porquanto se move na direção do maior. Por outro lado, a espiritualidade da mulher é mais terrena porque se move na direção do menor.

Ilusória e demoníaca é a espiritualidade do homem que se dirige ao menor. Ilusória e demoníaca é a espiritualidade da mulher que se dirige ao maior. Cada uma deve dirigir-se a seu próprio lugar.

Homem e mulher tornam-se demônios um para o outro quando não separam seus caminhos espirituais, pois a natureza dos seres criados é sempre a natureza da diferenciação.

A sexualidade do homem volta-se para o terreno; a sexualidade da mulher volta-se para o espiritual. Homem e mulher tornam-se demônios um para o outro quando não distinguem suas duas formas de sexualidade.

O homem deve conhecer o que é menor, a mulher o que é maior. O homem deve separar-se da espiritualidade e também da sexualidade. Ele deve chamar a espiritualidade e mãe e entronizá-la entre o céu e a terra. Ele deve chamar a sexualidade de phallos, colocando-a entre o próprio ser e a terra, porque a mãe e phallos são demônios super-humanos e manifestações do mundo dos deuses. Eles se apresentam mais eficientes para nós do que os deuses por estarem mais próximos do nosso ser. Quando não puderdes distinguir entre vós próprios, de um lado, a sexualidade e espiritualidade, de outro, e quando não fordes capazes de considerar que ambos são seres superiores e exteriores a vós, então sereis vitimados por eles, i. e., pelas qualidades do Pleroma. Espiritualidade e sexualidade não constituem qualidades vossas, não são coisas que podeis possuir e apreender, ao contrário, trata-se de demônios poderosos, manifestações de deuses e, portanto, são muito superiores a vós e existem em simesmas. Ninguém possui espiritualidade ou sexualidade para si mesmo; antes, estamos sujeitos às leis da sexualidade e da espiritualidade. Portanto, ninguém escapa a esses dois demônios. Deveis considerá-los demônios, causas comuns e perigos graves, assim como os deuses e, acima de tudo, o terrível Abraxas.

O homem é fraco, portanto a comunidade torna-se indispensável; se não a comunidade sob o signo da mãe, então aquela sob o signo de phallos. Não haver comunidade constitui sofrimento e enfermidade. A comunidade traz consigo fragmentação e dissolução. A diferenciação conduz à solidão. A solidão é contrária à comunidade. Devido à fraqueza da vontade humana, em oposição aos deuses e demônios e suas leis que não se pode escapar, a comunidade é necessária.

Eis por que devem existir tantas comunidades quantas forem necessárias; não por causa dos homens, mas por causa dos deuses. Os deuses forçam-nos a uma comunhão. Eles vos forçam a associar-vos tanto quanto necessário; mais do que isso, porém, converte-se num mal.

Em comunhão, cada um deve sujeitar-se ao outro, para a preservação da comunidade, visto que dela tendes necessidade. No estado de solidão, cada qual será colocado acima dos demais, para que possa conhecer-se e evitar a servidão. Na comunidade haverá abstinência.

Na solidão, deixai que haja desperdício de abundância. Porque a comunidade é profundidade enquanto a solidão, altura.

A verdadeira ordem na comunidade purifica e preserva.
A verdadeira ordem na solidão purifica e aumenta.
A comunidade dá-nos calor; a solidão, luz.


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