segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Sete Sermões aos Mortos - Parte II




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O SEGUNDO SERMÃO




Os mortos se ergueram durante a noite junto às paredes e gritaram: Queremos saber sobre Deus! Onde está Deus?

-Deus não está morto; Ele está tão vivo quanto sempre esteve. Deus é o mundo criado, na medida em que é algo definido e, portanto, diferenciado do Pleroma. Deus é uma qualidade do Pleroma, e tudo o que afirmei sobre o mundo criado é igualmente verdadeiro no que a Ele se refere.

Entretanto, Deus se distingue do mundo criado, pois é menos definido e definível do que o mundo cirado em geral. Ele é menos diferenciado que o mundo criado, porque a essência do seu SER é a efetiva plenitude; e só na medida se Sua definição e diferenciação que Ele é idêntico ao mundo criado; portanto, Ele representa a manifestação da efetiva plenitude do Pleroma.

Tudo o que não diferenciamos precipita-se no Pleroma e anula-se com seu oposto. Portanto, se não discernimos Deus, a plenitude efetiva elimina-se para nós. Deus é também o próprio Pleroma, da mesma forma que cada um dos pontos mais minúsculos dentro do mundo criado, bem como no plano incriado, constitui o próprio Pleroma.

O vazio efetivo é o ser do Demônio. Deus e Demônio são as primeiras manifestaçães do nada a que chamamos de Pleroma. Não importa se o Pleroma existe ou não existe, porque ele se anula em todas as coisas. O mundo criado, entretanto, é diferente. Na medida em que Deus e Demônio são seres criados, eles não se suprimem mutualmente, mas resistem um ao outro como opostos ativos. Não necessitamos de prova da sua existência; basta que sejamos obrigados a falar sempre deles. Mesmo que eles não existissem, o ser criado (devido à sua própria natureza) os produziria continuamente, a partir do Pleroma.

Tudo o que se origina no Pleroma pela diferenciação constitui pares de opostos; portanto, Deus sempre tem consigo o Demônio.

Como aprendestes, esse inter-relacionamento é tão íntimo, tão indissolúvel em vossas vidas, que se apresenta como o próprio Pleroma. Isso porque ambos permanecem muito próximos do Pleroma, no qual todos os opostos se anulam e se unificam.


Deus e Demônio distinguem-se pela plenitude e pelo vazio, pela geração e pela destruição. A atividade é comum a ambos. A atividade unifica-os. Eis por que ela permanece acima de ambos, sendo Deus acima de Deus, por unificar plenitude e vazio em seu trabalho.

Há um Deus sobre o qual nada sabeis, porque os homens esqueceram-no. Nós o chamamos por seu nome: ABRAXAS. Ele é menos definido que Deus ou o Demônio. Para distinguir Deus dele, chamamos a Deus Helios, ou o Sol.

Abraxas é a atividade; nada pode resistir-lhe, exceto o irreal, e assim, o seu ser ativo desenvolve-se livremente. O irreal não existe, portanto, não pode de fato resistir. Abraxas permanece acima do sol e acima do demônio. Ele é o improvável provável, que é poderoso no plano da irrealidade. Se o Pleroma pudesse ter uma existência, Abraxas seria sua manifestação.

Embora ele seja a própria atividade, não constitui um resultado específico, mas um resultado em geral.

Ele representa a não-realidade ativa, porque não possui um resultado definido.
Ele é ainda um ser criado, na medida em que se diferencia do Pleroma.

O sol exerce um efeito definido, assim como o demônio; portanto, eles se nos apresentam muito mais efetivos do que o indefinível Abraxas.

Pois ele é poder, persistência e mutação.

-Nesse ponto, os mortos provocaram uma grande rebelião, porque eram cristãos.




O TERCEIRO SERMÃO

Os mortos aproximaram-se como névoa saída dos pântanos e gritaram: -Fala-nos mais sobre o deus supremo!
- Abraxas é o deus a quem é difícil conhecer. Seu poder é verdadeiramente supremo, porque o homem não o percebe de modo algum. O homem vê o summum bonum (bem supremo) do sol e também o infinum malum (mal sem fim) do demônio, mas Abraxas não, porque este é a própria vida indefinível, a mãe do bem e do mal igualmente.

A vida parece menor e mais fraca do que o summum bonum (bem supremo), daí a dificuldade de se conceber que Abraxas possa suplantar em seu poder o sol, que representa a fonte radiante de toda a força vital.

Abraxas é o sol e também o abismo eternamente hiante do vazio, do redutor e desagregador, o demônio.

O poder de Abraxas é duplo. Vós não podeis vê-lo, porque a vossos olhos a oposição a esse poder parece anulá-lo.

O que é dito pelo Deus-Sol é vida.
O que é dito pelo Demônio é morte.

Abraxas, no entanto, diz a palavra venerável e também a maldita, que é vida e morte ao mesmo tempo.

Abraxas gera a verdade e a falsidade, o bem e o mal, a luz e a treva, com a mesma palavra e no mesmo ato. Portanto, Abraxas é verdadeiramente o terrível.

Ele é magnífico como o leão no exato momento em que abate sua presa. Sua beleza equivale à beleza de uma manhã de primavera.
De fato, ele próprio é o Pã maior e também o menor. Ele é Príapo.
Ele é o monstro do inferno, o polvo de mil tentáculos, o contorcer de serpentes aladas e da loucura.
Ele é o hermafrodita da mais baixa origem.
Ele é o senhor dos sapos e das rãs que vivem na água e saem para a terra, cantando juntos ao meio-dia e à meia-noite.
Ele é plenitude unindo-se ao vazio;
Ele constituí as bodas sagradas;
Ele é o amor e o assassino do amor;
Ele é o santo e o seu traidor.
Ele é a luz mais brilhante do dia, e a mais profunda noite da loucura.
Vê-lo significa cegueira;
Conhecê-lo é enfermidade;
Adorá-lo é morte;
Temê-lo é sabedoria;
Não resistir-lhe significa libertação.

Deus vive detrás do Sol; o demônio vive atrás da noite. O que deus traz à existência a partir da luz, o demônio arrasta para a noite. Abraxas, entretanto, é o cosmo; sua gênese e sua dissolução. A cada dádiva do Deus-Sol, o demônio acrescenta sua maldição.

Tudo aquilo que pedis a Deus-Sol leva a uma ação do demônio. Tudo o que abtendes através do Deus-Sol aumenta o poder efetivo do demônio.

Assim é o terrível Abraxas.
Ele é o mais poderoso ser manifestado e nele a criação torna-se temerosa de si mesma.
Ele é o terror do filho, que ele sente contra a mãe.
Ele é o amor da mãe por seu filho.
Ele é o prazer da terra e a crueldade do céu.
Diante de sua face o homem fica paralisado.
Ante ele, não há pergunta nem resposta.
Ele é a vida da criação.
Ele é a atividade da diferenciação.
Ele é o amor do homem.
Ele é a fala do homem.
Ele é tanto o brilho como a sombra escura do homem.
Ele é a realidade enganosa.

- Nesse ponto, os mortos clamaram e deliraram porque ainda eram seres incompletos.


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